O ponto de partida

Como foi nascer?
É possível recordar-se da primeira vez em que os olhos foram abertos, o ar foi cheirado e a vida foi sentida?
É possível lembrar da sensação de tocar, pela primeira vez, algo concreto fora da realidade intra-uterina?
Estarão essas memórias gravadas em algum canto do nosso corpo, inconsciente ou consciente?
Como foi, pela primeira vez em vida, estar no início?

O lugar de início pode ser assustador. Pode nos assustar, nos causar dor, nos fazer querer voltar para o ponto anterior – onde nos sentíamos, pelo menos, seguros. Iniciar é sempre um passo em direção ao desconhecido, e nascer é esse passo necessário que damos em direção à uma vida que não sabemos. Pulamos em direção ao abismo, todos nós que aqui agora estamos. Nascer é o nosso primeiro grande ato de coragem, e se você não se acha corajoso ou corajosa, saiba: você é, pelo simples fato de ter saído em direção ao mundo.
Seja iniciar a própria vida, um projeto, uma carreira, um relacionamento – o lugar de início será, na maioria das vezes, território inexplorado.
Floresta escura. Mata fechada. Montanha a ser escalada.
Um passo que damos porque é preciso, sem precisão alguma, ir além das barreiras do que é conhecido.
Você já se questionou porque nasceu, em primeiro lugar?
Sempre em busca de teorias, acredito em muitas das que acho nas minhas pesquisas, e uma das que gosto bastante é a teoria do Efeito borboleta – lei de causa e efeito, 3ª lei de Newton, ou qualquer teoria, lei ou confabulação que se enquadre na ideia de que eventos, aparentemente sem relação, se interligam por estarem conectados através de um contexto superior.
Como é proposto no conceito de Ecologia Profunda, criado pelo filósofo e ecologista norueguês Arne Naess em 1973, e reforçado pelo físico Fritjof Capra em seu livro intitulado A Teia da Vida, lançado em 1996: “(…)o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente ínterconectados e são ínterdependentes.”
Somos um todo que, inevitavelmente, inter-conectado está. E nascer é, materialmente e visivelmente, juntar-se à tudo o que já nasceu um dia. Não fomos jogados aqui e agora – nesta Terra – apenas para perecermos, mas sim para fazermos parte, em conjunto, de um contexto que nos pede que nasçamos para podermos assumir nosso papel nesse quebra-cabeças composto por muitas peças – feitas, sob medida, para se encaixarem umas nas outras. Somos, antes de mais nada, seres com destinos que se completam no próprio ato de nascer, pois nascer é não só o princípio, mas também um fim nele mesmo – um ato concreto e simbólico com um inerente significado auto-afirmativo.
Cada indivíduo, à sua maneira, nasce. Alguns vêm ao mundo enlaçados pelo cordão umbilical, outros na posição invertida à usual, outros são mais apressados e vem antes do tempo – enquanto outros demoram horas e até dias para sair do mundo-interior – e claro, tem aqueles e aquelas que nascem sem grandes dificuldades – como se estivessem indo passear no parque em uma tarde de domingo. Mas mesmo cada nascimento sendo único e singular, existe algo em comum entre todos eles: a chegada. Porque nascer é poder, enfim, chegar. Mas chegar aonde?
Em geral, respondo essa pergunta com a resposta simples: chegar à vida. Porém, o local de chegada é, ao mesmo tempo que subjetivo, individual. Já que esse nascimento não está só ligado ao sair do útero para o mundo externo, mas sim e muito mais ao sentido de pertencer à vida que se vive e nascer para o nosso chamado pessoal – nascer para quem de fato, somos. E para isso acontecer, é preciso nos depararmos com a vida tal qual ela é: nua, crua e dolorosa, mas também verdadeiramente gratificante e cheia de aventuras.
                    Afinal, o que será o nascimento a não ser o corpóreo, psicológico, e espiritual fenômeno do chamado para a grande aventura?
Aventura essa que inicia-se quando abrimos os olhos pela primeira vez – mas que também se inicia quando decidimos, finalmente, enxergar o que há muito nossos olhos já viam. Aventura essa que começa assim que saímos do útero e abrimos nosso pulmão, mas que também começa quando respiramos, pela primeira vez, conscientes do ar que colocamos para dentro. Aventura essa que tem seu princípio no instante em que ouvimos os primeiros sons ao redor – mas que também principia-se no momento em que ouvimos o sussurrar do nosso coração.
Nascer é um continuum que se estende por toda a nossa existência – a origem de quem fomos, quem somos e de quem seremos – o encetamento de uma espiral de eventos que se estenderá por toda a eternidade e ficará registrada no solo dessa Terra que nos criou e nos acolheu como filhos e como somos: seres humanos.

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